Há uns tempos atrás, a malta com quem tenho vindo mais a jogar veio com a ideia de se fazerem uns jogos de escaramuças medievais usando umas regras simples (Songs of Blades and Heroes) e, claro, figuras à escala 1/72.
A opção inicial consistia em fazer escaramuças baseadas no “tradicional” tema Vikings vs Anglo-Saxões, usando figuras da Strelets (razoáveis) e da Svezda (excelentes!). Mas sinceramente, bárbaros contra bárbaros era um tema que não me entusiasmava de todo... para mais quando poderíamos optar por temas “cá da casa”, nomeadamente o centenário tema da Reconquista...
Pouco tempo depois de trocarmos umas ideias, o Artur Ramos trouxe umas caixas da Hät com figuras belissimamente esculpidas retratando mouros andaluzes, almorávidas e cristãos “espanhóis” (irrita-me esta designação adoptada pelos “camones”! É que “Spanish” não é o mesmo que “Hispanic”, que deveria ser - aliás, é! - a designção correcta para estes soldados “das Espanhas”, e não “de Espanha”).
Eis as amostras das figuras da infantaria:
http://www.plasticsoldierreview.com/Review.aspx?id=1451http://www.plasticsoldierreview.com/Review.aspx?id=1436http://www.plasticsoldierreview.com/Review.aspx?id=1440As figuras de comando são estas:
http://www.plasticsoldierreview.com/Review.aspx?id=1832Infelizmente, o Artur não trazia a caixa das figuras de comando mouras, nem as da cavalaria dos dois lados.
Antes de falar mais, tenho de dizer uma coisa: como referi atrás, a escultura destas figuras é simplesmente excelente, com a pose, pormenores e correcção histórica no seu melhor. No melhor pano cai a nódoa, contudo, e o plástico em que elas foram feitas tem quase a consistência do queijo flamengo, ou seja, é demasiado mole e muito difícil de trabalhar. Uma porcaria. É realmente de lamentar...
Depois de ter demorado décadas a “limpar” as figuras das marcas de molde, iniciei as lides, começando com os almorávidas.
Quem eram estes tipos? A explicação é longa por isso toca de ler, seus malandros!
http://en.wikipedia.org/wiki/Almoravid_dynastyPronto, está explicado! Gostaram? Espero bem que sim.
Em suma, os almorávidas eram fanáticos religiosos, intolerantes para com os próprios muçulmanos “normais”, tinham a mania, religiosamente justificada, de tapar a boca, seriam muito piedosos e pouco dados a “luxos” e demais ostentações, e teriam, entre os seus guerreiros, muitos pretos recém convertidos que viriam ainda imbuídos (na minha opinião) de superstições ligadas a amuletos e “fórmulas mágicas” tais como os que ainda se encontram, nos dias de hoje, em muitos países muçulmanos da África Negra.
E será que o Islão permite essas “magias” e amuletos? Bom, permitir não permite:
http://islamzpeace.com/2009/02/09/using-good-luck-charms-or-amulets/Mas será que são usados? Bem... como diria o Doutor Marcelo, “Ser, são. Mas não podem. O que é que lhes acontece? Nada!”, etc.
http://en.wikipedia.org/wiki/Gris-gris_(talisman)
http://en.wikipedia.org/wiki/HamsaJá agora, os almorávidas também foram os responsáveis pela introdução, na Europa, do convento-fortaleza (ribat) no qual voluntários jihadistas se dedicavam à oração e à guerra contra os não-muçulmanos.
http://en.wikipedia.org/wiki/RibatTambém em Portugal houve, pelo menos, um ribat, na região de Aljezur:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_ArrifanaAnos mais tarde, seriam os cristãos a contra-atacar com a ideia dos monges-guerreiros das Ordens do Templo, Hospital, Santiago da Espada, Alcântara/Avis, Calatrava...
Para pintar os puritanos dos almorávidas, inspirei-me nos panos tradicionalmente usados pelo povão de Marrocos (tons castanhos, cinzas, algumas cores um pouco mais alegre, padrões listados na vertical...), em símbolos “mágicos” berberes e, claro, nas lindíssimas ilustrações do Angus McBride (RIP), entre outras.
“Eize-os”:

O chefe da moirama. O escudo redondo, na verdade, vinha na caixa de comando dos cristãos ibéricos, sendo que esta figura tinha um escudo em forma de “gota de água”. Troquei os escudos e usei o redondo nesta figura e o escudo que ela tinha coloquei-o num líder cristão.

Fanáticos berberes

Mais guerreiros. Olha a “Mão de Fátima” no escudo. É um um amuleto? É!


Olha tanto “símbolo mágico”!

Quanto aos mouros andaluzes, contrastando com a “pobreza” do exército Africano, optei por usar cores mais vivas, mais alegres, reflectindo uma terra igualmente mais rica e muito mais desenvolvida em termos culturais, herdeira de ricas tradições romano-visigóticas, bizantinas, sírias e egípcias. Enfim, cultura, que é o que marca a diferença.
Quem eram, então, estes andaluzes? Basicamente, são os descendentes de árabes iemenitas e sírios, berberes semi-convertidos (carradas deles!) e descendentes de cristãos, uns convertidos (muladis), outros ainda e fielmente agarrados à sua fé (moçárabes), todos eles com uma longa História para contar.
Toca a ler, mais uma vez!
http://en.wikipedia.org/wiki/Emirate_of_C%C3%B3rdobahttp://en.wikipedia.org/wiki/Muladihttp://en.wikipedia.org/wiki/MozarabMas nesta época, o Emirado de Córdova já era chão que tinha dado uvas, e o al-Andaluz estava dividido em Taifas, que eram ... ah, toca lá a ler mais um pouco, seus malandros!
http://en.wikipedia.org/wiki/TaifaUma das Taifas que me interessa especialmente é a de Sevilha, entre outras coisas porque, a dada altura, Sevilha controlava Silves, que foi onde viveu o rei-poeta Al-Mu'tamid ibn Abbad, o tal da “Evocação de Silves” e que viria a ser destronado pelo almorávidas de que falei mais acima.
Outra das Taifas fixes era a de Mértola, a um dado tempo conquistada pelo al-Mu’tadid (o implacável pai do al-Mu’tamid) e que depois voltou, efemeramente, a ser independente sob ibn Qasi até que os almôadas “repuseram a normalidade”.
Por fim, temos a Taifa de Badajoz, que controlou, a um dado tempo, Santarém e Lisboa, para além de Évora e demais cidades do sul de Portugal.
Reflectindo toda esta variedade e riqueza, pintei roupas com debruados e escudos com desenhos mais elaborados, sejam eles escritos, seja eles com temas zoomórficos.
Já agora... representar animais é proibido pelo Islão? Bem, parece que sim...
http://en.wikipedia.org/wiki/Aniconism_in_Islam... mas... sabem como é! “Doutor Marcelo dixit”!
Tecido islâmico no Museo de San Isidoro, Espanha

Eis então os guerreiros da Taifa, uma bela mistura de tipos vestidos “à árabe”, outros vestidos “à ibérico”, com guardas ricamente vestidos, guerreiros profissionais, guerreiros mais pobrezinhos, guerreiros religiosos e, claro, o sempre eterno povão, que se junta à festa sempre que pode, ou melhor, sempre que não se pode escapar à lide, porque estas coisas de ir para a guerra são uma maçada e há sempre alguém que se magoa...


Jihadistas à frente dos guerreiros profissionais


Olha os motivos nos escudos: uma águia e um leão



Chegamos, finalmente, aos cristãos do norte da Península. Mas que cristãos são estes? Não se tratam (apenas) de homens vindos do Norte da Europa, como o Henrique, o Raimundo e respectivas hostes e descendência, mas sim de homens autóctones, nativos, indígenas desta terra, da região de Riba Coa, Coimbra, Minho, Trás os Montes e Galiza, a par dos herdeiros da tradição moçárabe (ler o link acima sff), leia-se, romano-visigótica, dado que os moçárabes, por estas alturas, afluíam cada vez mais às terras do norte, fugindo da pressão, vide perseguição, que lhes era imposta pelos cada vez mais intolerantes muçulmanos. Já leram algo sobre o Conde Sisnando Davides? Não? Então leiam:
http://en.wikipedia.org/wiki/Sisnando_DavidesOs meus cristãos foram pintados como parte da hoste de Geraldo Geraldes, O Sem Pavor, o herói e aventureiro português de meados do século XII. Uma outra excelente opção teria sido a de pintar a hoste de um bravo de entre os bravos, que era o Gonçalo Mendes da Maia, O Lidador, camarada de armas de D. Afonso Henriques, e que enquanto Fronteiro do Reino em Beja, saiu aos mouros para comemorar, em estilo, o seu 95º aniversário! Essa acabaria por ser a sua última farra, mas a festa acabou em grande, com a hoste moura, inicialmente mais numerosa, a terminar o dia derrotada e em inferioridade numérica. Enfim, assim eram as rave parties de outrora...
Os padrões dos escudos foram inspirados em imagens ibéricas cristãs contemporâneas.
Inicialmente fui buscar inspiração nas famosas Tapeçarias de Bayeux, que retratam a conquista de Inglaterra pelo exército normando do Duque Guilherme, mas concluí que aqueles desenhos nos escudos, apesar de serem muitos bonitos, tinham mais a ver com a imagética escandinava do que com a imagética romano-visigótica peninsular, sobretudo naquela parte que diz respeito aos dragões e afins.







Já agora, cumpre dizer que, à época, a heráldica estava nos seus primórdios e ainda não havia um esquema padronizado, regras estabelecidas, e portanto acredito que cada um escolheria o seu “boneco” e mais nada. Padronização viria com o séc. XIV, e mesmo assim... se há dúvidas, é só ver em que época é que as quinas laterais das armas de Portugal deixaram de estar deitadas (sinal de menoridade, vide bastardia), passando para a vertical.
Foi no reinado de D. João II, eis a época!
Ah pois é!
Eis então os guerreiros cristãos:
A bandeira do Geraldo ostenta um lobo. Na minha ideia, um leão é, em termos heráldicos, um animal demasiado "real" (da mesma forma que uma águia é “imperial”). Dado que eu queria desenhar um animal e como não estava propriamente tentado a desenhar um dragão (é um animal demasiado “nortenho”, no sentido escandinavo do termo, é claro!), achei que um lobo, animal um pouco mal visto em termos populares, refletiria, ainda assim, o espírito e o "não muito nobre" modus operandi de Geraldo Geraldes, que era, para todos os efeitos, um verdadeiro “lobo da planura” alentejana


O alferes monta um magnífico ruço, Geraldo monta um belíssimo Lusitano Palomino. Só não é de Alter porque a escola ainda não existia...

Os "bellatores" profissionais, com um líder e um veterano de longa data e de farta barba grisalha...



O povo, que é giro e isso... notem as cores das roupas, em tecido mais ordinário do que o dos “bellatores”.

A guerra não é apenas um jogo de azar... mas convém não ter "galo"!

Frei Tomás. Não faças o que ele diz, faz o que ele faz. Por debaixo daquele hábito esconde-se um autêntico leão mas... não entremos em pormenores


A Hoste



Agora "só" falta basea-los condignamente, mas isso será feito com tempo, ou em seu devido tempo.
Haveis gostado?
Espero que sim.